quarta-feira, 19 de março de 2008

Sócrates


Sócrates, Dr. Sócrates, Magrão. Não importa se chamado pelo nome ou pela alcunha. Trata-se do jogador mais politizado da história do futebol brasileiro. Recentemente, o Doutor se lançou candidato à presidência da CBF defendendo idéias que batem de frente com as que são colocadas em prática pelos atuais cartolas do futebol brasileiro. Enquanto jogou profissionalmente, Sócrates sempre foi uma liderança positiva, dentro e fora dos gramados, e foi o principal responsável pelo maior movimento criado por jogadores de futebol: a democracia corintiana, em pleno regime militar no Brasil.

Sócrates nunca pôde ser considerado um atleta, na acepção da palavra. Ele foi muito mais um artista da bola, que jogava futebol por puro prazer, com extrema habilidade, bem caracterizada pelo tipo de jogada que mais o marcou: o toque de calcanhar.

Seleção brasileira - Sócrates realizou 63 jogos pela seleção brasileira e fez 25 gols. Sua estréia com a camisa do Brasil foi contra o Paraguai, em 17 de maio de 1979, quando ajudou a seleção a vencer por 6 a 0.

Disputou duas Copas do Mundo (1982 e 1986) e compôs o fantástico meio-campo da seleção de Telê, no Mundial da Espanha, junto com Toninho Cerezo, Falcão e Zico. No entanto, suas duas participações foram traumáticas. Em 1982, após encantar o mundo com um futebol vistoso, alegre, encantador, o Brasil perdeu para a Itália na semifinal, por 3 a 2, sendo que apenas um empate já seria suficiente para conquistar a vaga na grande final.

Em 1986, no México, nas quartas-de-final contra a França, a seleção empatava por 1 a 1 quando, no segundo tempo, o goleiro francês Bats cometeu pênalti em Branco. Sócrates era o cobrador oficial do Brasil, mas permitiu que Zico, que acabara de entrar na partida, batesse a penalidade máxima. Zico desperdiçou a cobrança e o jogo foi para a prorrogação, que terminou sem que nenhuma das seleções alterasse o placar do jogo. A vaga para a semifinal teve que ser decidida nas cobranças de pênaltis. Júlio César carimbou a trave, e Sócrates teve sua cobrança defendida pelo goleiro. A França venceu por 5 a 4 e decretou o fim de uma geração, a de Sócrates, que vestiu a camisa da seleção pela última vez naquela tarde.

O surgimento no Botafogo/SP - Sócrates iniciou sua carreira nas categorias de base do Botafogo de Ribeirão Preto, cidade para onde sua família se deslocou no início da década de 60. Logo foi notado pelos responsáveis do time profissional, não só pela qualidade técnica apresentada nas partidas, mas também pelo porte físico incomum, que lhe dava um aspecto desengonçado.

Paralelamente à dedicação ao Botafogo, Sócrates iniciou sua graduação em medicina e, por quatro anos, conciliou sua formação acadêmica ao futebol, o que lhe valeu o apelido de "craque-médico" e, em seguida, simplesmente "doutor". O Doutor tornou-se profissional somente em 1974 e, em 1976, sagrou-se artilheiro do Paulistão, fazendo 15 gols. Era o que faltava para que se tornasse conhecido e despertasse o interesse dos clubes da capital. E foi o que aconteceu. Em 1978, Vicente Matheus o trouxe para a capital e o Magrão tornou-se o novo dono da camisa 8 do Corinthians.

O Corinthians, os títulos e a democracia corintiana - Sócrates vestiu a camisa do Timão em 302 partidas e marcou 116 gols, entre 1978 e 1984. Conquistou os títulos dos Paulistas de 1979, 1982 e 1983, e sempre foi admirado pelos colegas e torcedores. Logo em sua estréia, contra o Santos, o Doutor já deu sinais de sua liderança dentro do gramado. O Peixe saiu na frente e, com calma, Sócrates foi ao fundo do gol, pegou a bola e a conduziu até o círculo central enquanto ia conversando com cada um de seus companheiros. O Corinthians reagiu e o jogo terminou em 1 a 1.

A mesma liderança foi mostrada também fora dos campos. Durante sua passagem pelo Timão foi o mentor da chamada democracia corintiana, um movimento criado pelos próprios jogadores que propunha, entre outras idéias, a liberdade total dos atletas fora dos gramados, como o livre arbítrio em relação à necessidade de ficar concentrado antes de cada partida e também a possibilidade de participação nas decisões do clube relacionadas ao futebol.

Nunca um movimento como esse fora sequer imaginado pela pouco atuante classe dos jogadores de futebol. Inicialmente, a intenção de Sócrates e outros jogadores como Casagrande e Wladimir não foi bem compreendida e levantou uma série de questionamentos sobre os motivos de tal organização. No entanto, os resultados obtidos mostraram que a "democracia" realmente foi benéfica ao elenco corintiano.

Em 1979, o Corinthians já ganhara novamente o título de campeão paulista, mais uma vez em cima da Ponte Preta. Em 1982, já com a nova ordem colocada pelos jogadores, uma outra conquista, desta vez sobre o rival São Paulo, que poderia se sagrar tricampeão naquele ano. No ano seguinte, a final se repetiu e o resultado também. Novo título e a consagração daquele elenco repleto de craques. De bola e idéias.

A passagem pela Itália - Em 1984, Sócrates vinha repetidamente recusando propostas para jogar fora do Brasil. Seu modo de pensar foi alterado por um acontecimento político e não financeiro ou profissional, como seria natural.

Quando a emenda constitucional Dante de Oliveira, que propunha a volta de eleições gerais e diretas no Brasil, não foi aprovada pelo Congresso Nacional, o Doutor ficou extremamente decepcionado. A partir disso, passou a ver com outros olhos a possibilidade de sair do país e, entre as propostas recebidas, concluiu que a melhor era a da Fiorentina, da Itália. Em menos de dois meses, estava se apresentado ao novo time, na bela Firenze.

A passagem do Doutor pela Fiorentina não foi das melhores. Sem conseguir se adaptar ao clima, aos costumes e à língua local, Sócrates sentia muita falta do Brasil e não pôde desempenhar o mesmo futebol que o consagrou no Corinthians. Sua aversão aos pesados treinamentos estabelecidos pelos italianos, somado ao fato de nunca ter tido um condicionamento típico dos outros atletas também foi preponderante na sua decisão de sair da Itália. Faltava apenas alguma proposta para retornar à sua pátria.

A volta ao Brasil - Terminada a temporada do Campeonato Italiano, Sócrates recebeu um convite para retornar ao Brasil. A Ponte Preta e alguns empresários fizeram uma bela proposta para que o Doutor jogasse pelo time de Campinas. Ansioso para voltar a seu país, o Magrão não pensou duas vezes e fez as malas. No entanto, ao chegar a Campinas, viu que o negócio não era exatamente como ele tinha pensado. Os valores contratuais não batiam e Sócrates voltou à Itália. Mesmo com seu retorno, a Fiorentina não voltou a contar com o futebol do Doutor. Antes que a temporada começasse, o Flamengo fez bela proposta para alugar seu passe. Além do dinheiro, o fato de jogar ao lado de Zico foi fator preponderante na decisão de jogar pelo time carioca.

Flamengo, Santos e o término onde tudo começou - Sócrates chegou ao Rio de Janeiro sabendo que sua estréia seria contra o Fluminense. A dois dias do jogo, uma contusão o tirou do coletivo e do futebol por alguns meses. Zico também vivia machucado e os dois só puderam jogar juntos no Maracanã somente em uma ocasião.

Em 1986, mesmo jogando poucas partidas, Sócrates ajudou o Flamengo a conquistar o título estadual. Terminada a temporada, Magrão quis cobrar aquilo que fora combinado pelo aluguel de seu passe. Não obteve sucesso e resolveu sair do Rio de Janeiro. Sócrates ficou até meados de 1988 jogando futebol amador pelos campos de várzea do interior paulista, de onde o Santos o tirou. Suas atuações pelo time da Vila Belmiro foram discretas e, em 1989, após desentendimentos com os dirigentes santistas, o Doutor voltou ao time que o revelou: o Botafogo de Ribeirão Preto.

No Botinha, já com 35 anos, Sócrates fechou o ciclo de uma carreira vitoriosa, rica em histórias, na qual sempre foi uma liderança nos clubes que defendeu. Fez algumas partidas, passou sua experiência aos mais jovens e pôde aposentar-se dignamente, para iniciar novas empreitadas no futebol e exercer sua carreira como Doutor, agora pela medicina.

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